histórias em papel · Mariana Santos

histórias em papel beija-flor - Mariana Santos

A terceira criativa que tive a sorte de entrevistar, para a nossa rubrica histórias em papel, é a ilustradora Mariana Santos, mais conhecida como Mariana a Miserável.

Não entrarei em detalhes sobre a minha admiração e fascínio pela obra da Mariana (ela estar presente em várias colaborações beija-flor já diz de si muito), mas posso confidenciar-vos que, neste dia que falamos e pude conhecer mais em detalhe o seu atelier, objectos e influências, saí de lá a admirá-la ainda mais.

Tal como a própria, a sua obra é imprevisível, certeira, muitas vezes sarcástica, outras tantas dramática, mas sempre única.
A Mariana usa e abusa do papel - como poderão ver - e é um privilégio poder ver em detalhe o que guarda naquelas caixas cheias de memórias, saber de onde vem a inspiração para as suas ilustrações inconfundíveis e de como o papel influencia o seu processo criativo.

histórias em papel beija-flor - Mariana Santos

Agora sem mais demoras, saltamos para a conversa com a Mariana? :)


Qual é a tua primeira memória relacionada com papel?
Lembro-me gostava de ir para o escritório, onde o pai trabalhava, brincar com o papel da máquina de fax que era muito comprido, dobrado em fole e picotado.

Tens algum ritual ou superstição que envolva papel? Como cheirar o caderno novo acabado de abrir, usar sempre o mesmo tipo de cadernos ou coleccionar bilhetes de viagens?
A primeira página, gosto de deixar em branco, fazer um desenho de introdução ou escrever um olá para tirar a timidez do caderno novo. Costumo variar os tipos de cadernos e até usar vários em simultâneo dependendo da sua função e do sítio onde estão: alguns andam comigo na mochila, outros estão no atelier. Às vezes guardo, dentro dos cadernos, bilhetes de cinema de filmes que fui ver e gostei, postais de amigos ou folhas de árvore que encontro no chão. São vários hábitos que fui criando ao longo dos anos.

histórias em papel beija-flor - Mariana Santos

Como descreves a Mariana Santos criativa?
A criatividade faz parte da minha vida como um acto normal e rotineiro que vou alimentando das mais variadas formas. Tudo ajuda. Embora seja uma coisa um pouco imprevisível e misteriosa, tento fazer dela uma exercício diário porque preciso que esteja a funcionar bem para o meu trabalho.

histórias em papel beija-flor - Mariana Santos
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Como é o teu processo criativo? E o que sentes que mais o influencia? 
Sempre que posso, vou para um café (um lugar de extrema concentração para mim) e levo um caderno para apontar ideias e começar a desenhar. Todos os projectos, por mais diferentes que sejam, começam no desenho a lápis. 
Eu procuro influencia em coisas pouco óbvias, em letras de música, poesia, cinema, arte popular, nos assuntos mundanos ou de extrema relevância. No fundo, é sempre uma procura do que ressoa mais connosco e tentar juntar as peças que vamos encontrando para compor o nosso trabalho.

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Liberdade, (um assunto de extrema importância) uma das suas últimas ilustrações.

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O papel tem lugar neste processo criativo? Se sim, de que forma?
O papel é fundamental porque é o primeiro suporte onde deposito as ideias, no caso do caderno, que é uma espécie de máquina de materialização das imagens da minha cabeça e um é também banco de ideias para o futuro.

histórias em papel beija-flor - Mariana Santos
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Há algum objecto de papel (livro, embalagem, caderno, postal, qualquer um!) que sintas que tenha marcado, e influenciado, o teu percurso criativo? Se sim, queres contar-nos qual e porquê?
Não é um em específico mas são vários cadernos com pontinhos, linhas ou quadriculados. Há uns anos, eu achava que não era uma pessoa de cadernos porque era incapaz de os ter “limpos”, com desenhos perfeitos e finalizados. Para mim, um caderno meu era um objecto secreto que não mostrava a ninguém porque tinha vergonha e acabava por não os utilizar muito consistentemente no meu processo porque ficava frustrada com a feiura. Coincidência ou não, quando comecei a comprar cadernos que já tinham as folhas ocupadas por linhas quadriculado ou pontinhos, senti-me muito mais livre para riscar à vontade e começar também a partilhar esses desenhos.

histórias em papel beija-flor - Mariana Santos
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Tens por hábito usar um artigo de registo em papel (caderno, agenda, planner, folhas soltas, etc...) no teu dia a dia? Se sim, registas tudo nesse artigo ou vais distribuindo por vários? 
Nunca tive um método de trabalho estanque, no entanto, de há três anos para cá, tenho um caderno principal da mesma colecção (um por ano) e vários outros de diferentes formatos onde vou desenhando conforme me apetece. O caderno fixo, ao qual chamo “caderno de desenhos feios” é o que anda sempre comigo, contém listas de coisas para fazer, listas de ideias, esboços de projectos que estou a fazer no momento e desenhos despreocupados sobre temáticas variadas. Os outros cadernos não têm lei, desenho-lhes quando quero e o que me apetece.

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Costumas guardar e revisitar esses registos ou, pelo contrário, dás-lhes uso no momento da criação e depois desapegas-te deles com facilidade? 
Muitas vezes gosto de revisitar esses registos porque me dão ideias para desenhos novos mas não sou muito apegada a eles no sentido em que gosto de poder “errar” sem medo.

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À direita a Ilustração base usada na colaboração com a retrosaria da Rosa Poma para a lã nacional brusca.

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Alguns dos cadernos que a Mariana foi guardando ao longos dos anos.

Acreditas que no futuro haverá sempre lugar para o papel? Ou que as opções de registo digitais acabarão por se sobrepor?
Acredito que no futuro existirá sempre lugar para o papel. Quando tudo falha, o papel fica. No momento em que estou a escrever isto, não há luz e este telefone, onde escrevo agora, irá ficar sem bateria, talvez pegue num livro a seguir ou num caderno para desenhar.

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Tens algum objecto de papel que te desperte muitas memórias? Se sim, queres contar-nos a sua história?

Tenho o cartaz da minha primeira exposição que é uma serigrafia que andou perdida desde 2010 numa pasta de papéis que só reencontrei há um ano, quando mudei de casa. Agora trouxe-a para o meu atelier porque gosto de olhar para ela e lembrar-me da intenção e do fôlego que tinha nessa altura.

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Muito obrigada Mariana, pela disponibilidade e partilha imensas, é sempre maravilhoso perder-me no teu trabalho, aquele que de miserável nada tem.
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Porto, abril de 2025
fotografia: Susana Gomes
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Onde descobrir mais sobre o trabalho da Mariana: no site da mesma Mariana a Miserável e/ou na sua loja

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