histórias em papel · Inês Telles
A quarta criativa da nossa rubrica histórias em papel é a joalheira Inês Telles, que assina a marca de joalharia em nome próprio.
As suas jóias (e acrescentaria ainda que a sua linguagem e espaços) são delicadas, elegantes e carregadas de simbolismo. É notória a influência da Natureza, das texturas, das diferentes culturas na suas peças e foi maravilhoso conhecer um pouco mais da sua história, da sua relação com o papel e do seu processo criativo.
Fotografei-a numa tarde quente de Verão, no seu bonito atelier na Graça, enquanto a Fiona dormitava e a Inês punha mãos à obra. Já eu descobria em cada canto algum pormenor ou objecto delicioso, porque ali naquele atelier - recheado de alicates, limas, martelos, pinças, e outras tantas ferramentas (o que podia facilmente transformar-se numa oficina sem personalidade) - parece que tudo foi escolhido e pensado ao pormenor. A beleza do olhar da Inês sobrepõe-se a tudo o resto.
Vamos então saber qual a importância do papel no trabalho e vida da Inês?
Venham comigo! A viagem é bem bonita, garanto-vos!
Qual é a tua primeira memória relacionada com papel?
São várias as memórias de infância com o papel. Uma delas eram os desenhos que a minha mãe fazia, depois do jantar, enquanto conversava com as minhas tias e avó, sentada na entrada da casa onde estava o telefone fixo.
Lembro-me também de muito pequena fazer casas de cartão - aproveitávamos pacotes de sumo e de leite, fazíamos telhados e pintávamos com vários motivos decorativos. Também os desenhos e jogos sem fim e em conjunto nas toalhas de papel dos cafés e restaurantes.
Um dos desenhos que a mãe da Inês fazia.
Registo de Inês Telles
Tens algum ritual ou superstição que envolva papel? Como cheirar o caderno novo acabado de abrir, usar sempre o mesmo tipo de cadernos ou coleccionar bilhetes de viagens?
Dobrar os cantinhos de cada página de um livro com uma mensagem que me interessa e que quero relembrar.
Quase todos os meus livros e cadernos são pequenas prensas botânicas, guardam algum pedaço de planta, uma folha ou flores. Geralmente ali ficam, não as retiro, e anos mais tarde ao folhear volto a encontrá-las. Os livros são também lugar de apontamentos, nas contracapas geralmente têm apontamentos e guardam bilhetes ou recortes.
Como descreves a Inês criativa?
A criatividade está geralmente activa no meu pensamento e soluções, nas coisas diárias. E isso acho que me torna também contemplativa e introspectiva. Geralmente, para mim um processo de criação, são momentos de submersão - por vezes atribulados - de ensaios e experiências. Há coleções com caminhos mais diretos e outras que não, são complexos, até podem ser dolorosos.
Como é o teu processo criativo? E o que sentes que mais o influencia?
Não tenho um processo linear, sou pouco metódica ou organizada. No entanto, quando defino mais ou menos o que quero explorar, há gestos que repito, como a experiência e construção de pequenas formas e elementos que componho e decomponho de maneira a entender como interagir. Geralmente em metal, mas também uso o papel, o cartão e pastas (como argila ou gesso). Gosto de ir colecionando estes elementos, coloco-os numa caixa de lata que me acompanha diariamente, para que possa espalhá-los, observá-los e pensar na relação entre eles.
O que tenho vindo a perceber que tem grande impacto e que acaba por influenciar todo o meu processo, é o lugar que me rodeia. O momento de começar as experiências de uma nova coleção, por exemplo, é altura de arrumar e limpar a bancada de trabalho, para começar de novo, como uma folha nova. Depois, começo a construir um novo universo de ideias, a espalhar os registos, as palavras e as intenções. Organizo composições de objetos que recolho (miniaturas de várias coisas - antiguidades, ferramentas - pedras, paus, conchas, folhas, o que me chamar a atenção) são como amuletos, todos juntos formam um lugar estético e inspiram o momento da criação, pelo menos eu acredito que ajudam.
Vários registos da Inês, do processo criativo - da inspiração, aos testes e à concretização.
O papel tem lugar neste processo criativo? Se sim, de que forma?
Sem dúvida, o papel tem um lugar central no meu processo criativo. O caderno que andar diariamente comigo é um dos principais e primários contentores dos meus registos. Antes de passar para a matéria as minhas intenções, é no papel que exploro os primeiros pensamentos, começo a estruturar e a dar forma ao que eu quero experimentar. Pelo esboço e pela escrita. Listas de palavras soltas - nomes, materiais, sensações, propósitos - o papel é um elemento central e estrutural.
Há algum objecto de papel (livro, embalagem, caderno, postal, qualquer um!) que sintas que tenha marcado, e influenciado, o teu percurso criativo? Se sim, queres contar-nos qual e porquê?
Sim, há dois objectos de papel que foram e são especialmente marcantes no meu percurso pessoal e também criativo.
Um deles, os diários de bordo do meu bisavô. Era comandante da marinha mercante e o diário de bordo era um elemento fundamental onde registava todos os acontecimentos no navio, as intempéries, as luas e marés, os percalços das viagens e da tripulação. Que muitas vezes duravam longos e duros meses, na pesca do bacalhau pela Gronelândia.
Folhear e conhecer estes diários, foi um momento marcante e emotivo para mim, uma sensação de conexão e identidade. Deu origem ao nome da marca, Inês Telles, como 2l's, como assinava o meu bisavô nos seus diários.
Diários do bisavô da Inês.
O outro objecto, é um simples postal, que guardo e transporto de atelier em atelier, gosto de o ter sempre junto da minha bancada de trabalho. É uma imagem do céu e de um arrozal - uma paisagem que me alimenta várias sensações importantes - para mim tranquilidade, contemplação, amplitude, inspiração e equilíbrio.
Tens por hábito usar um artigo de registo em papel (caderno, agenda, planner, folhas soltas, etc...) no teu dia a dia? Se sim, registas tudo nesse artigo ou vais distribuindo por vários?
Uso o caderno diariamente. Assim como levo as chaves, a carteira e o telefone, também tenho sempre um caderno na mala. Sou pouco organizada nos meus cadernos, deixo folhas e páginas em branco, escrevo torto e muitas vezes em formato de esquema, com setas e sublinhados. O caderno para mim é um importante elemento de organização mental e até emocional.
Um caderno de folhas lisas, com alguma espessura e capa rija para resistir às andanças e à quantidade de papéis e registos que junto na contracapa (bilhetes, receitas, contas, fotografias).
Costumas guardar e revisitar esses registos ou, pelo contrário, dás-lhes uso no momento da criação e depois desapegas-te deles com facilidade?
Guardo-os a todos. Geralmente não os revisito, mas passo informações de um para o outro, ou reescrevo ou recorto e colo, no caso de esboços.
Acreditas que no futuro haverá sempre lugar para o papel? Ou que as opções de registo digitais acabarão por se sobrepor?
Vai sempre haver lugar para o papel. Penso que vamos assistir a um retorno de algumas coisas, dentro do processo analógico e manual. Acho que será isso, esse lugar do gesto, que nos diferenciará da tecnologia e da IA
Tens algum objecto de papel que te desperte muitas memórias? Se sim, queres contar-nos a sua história?
Sim, os diários de viagem, em particular um, o mais longo e bem recheado. Descrevo vários momentos, peripécias, receitas, guardo bilhetes e mapas. Tem desenhos e mensagens de pessoas com quem me cruzei, assim como moradas para trocar correspondência. Estava em 2012 e viajava pela América do Sul. Foi uma viagem de quase 3 meses, numa altura sem smartphones, muito pouco acesso a internet. Caderno e máquina fotográfica foram elementos fundamentais de registo.
Muito obrigada Inês, pela disponibilidade e inspiração, que te é sempre tão natural genuína.
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Lisboa, julho de 2025
fotografia: Susana Gomes
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Onde descobrir mais sobre o trabalho da Inês: no site da sua marca: inestelles.com, na sua inspiradora página de instagram, espreitando a loja online ou ainda a nova loja física.
Fiona e Inês, companheiras de vida :)